sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Corpo de Árvore 1

Autor (?)

1

Quando um poema me visita:
adoeço e nu como o nevoeiro
de sobremesa,
fico hirto
a vê-lo entrar de barbatanas.

É um vírus de sílabas e
arsenais de anfíbias imagens.

E escondo-me a um canto de
cerejas segredadas no pulsar
e do húmus faço o mar devasso.

E de veleiro esventro faroleiros,
encontro forcas e pedaços de crianças
afagados numa mortalha de fome,
e batalhas em toalhas de sol; e febril
reclamo nascentes de escuridão
sob casulo de espuma, o embrião, o cadastro,
a borboleta em excesso.

Num privado império: recupero
endereços, furnas, sitiados silos e faróis
crescendo pulmão de luz – noite fora –
noite dentro solidões de terra
presas nos veios da duração e
muito sangue em bagos de romãs, cristais e teias.

E conto as pedras da calçada
enfeitadas de perfeitos fósseis;
numa rua estreita enterro anzóis
e uso as palavras como vagões,
e o comboio segue
por uma história no verso
descarrilando túnel de ossos:

é uma mulher bela
com a cabeça inchada de pesadelos,
está sentada numa esplanada que voa
e espreme sonhos de encontro à sorte
de um isqueiro que cai e é
de uma mulher que de bela o arrasta na fome.


E eu sei que o poema está repleto
e emociono-me de coisas pensadas, e
uma labareda de línguas e olhos mutila
os filhos de lume na sua cessação de cinza, e

– como palavras num lago
na trajectória
dum peixe que de só parece morto – há vozes que nascem

com a lua, morrem com o mar.

E cantam como se de choro se erguesse o vento.

2 comentários:

Helena Figueiredo disse...

Estive aqui. Como sempre encontro na sua poesia aquilo que eu chamaria: intensidade ontológica.Ela destrói a fragilidade das coisas e deixa vir ao de cimo o élan vital.
Gostei.

L.C.

Mapas De Espelho ( Imagem Suzzan Blac) disse...

Olá. L.C. & H. F.
Já agora ( porque já me habituei à sua voz, trazendo-me "conforto"/ consolo de não ter juntado letras em vão ...): qual o efeito do "Dizes", o primeiro escrito do Mapas?
Obrigada.